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Poema e Poesia de Rui Manuel Correia Knopfli

Memória
Rui Manuel Correia Knopfli

Memória Consentida

Neste lugar sem tempo nem memória, 
nesta luz absoluta ou absurda, 
ou só escuridão total, relances há 
em que creio, ou se me afigura, 
ter tido, alguma vez, passado 

com biografia, onde se misturam 
datas, nomes, caras, paisagens 
que, de tão rápidas, me deixam 
apenas a lembrança agoniada 
de não mais poder lembrá-las. 

Sobra, por vezes, um estilhaço 
ou fragmento, como o latido 
de um cão na tarde dolente 
e comprida de uma remota infância. 
Ou o indistinto murmúrio de vozes 

junto de um rio que, como as vozes, 
não existe já quando para ele 
volvo, surpreso, o olhar cansado. 
Insidiosas, rangem tábuas no soalho, 
ou é o sussurro brando do vento 

no zinco ondulado, na fronde umbrosa 
dos eucaliptos de perfil no horizonte, 
com o mar ao fundo. Que soalho, 
de que casa, que vento em que paragens, 
onde o mar ao longe que, entrevistos, 

os não vejo já ou, sequer, recordo 
na brevidade do instante cruel? 
De que sonho, ou vida, ou espaço de outrem 
provêm tais sombras melancólicas, 
ferindo de indecifráveis avisos 

este lugar em que, não sendo consentido 
o coração, se não consentem tempo e memória? 
Pausa ou pena, a seu oculto propósito há-de 
sempre opor-se, lenta, a inexorável asfixia 
desta luz absurda, ou só escuridão total. 

Rui Knopfli, in "O Corpo de Atena" 

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