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Poema e Poesia de Guerra Junqueiro

Pais
Guerra Junqueiro

O Primeiro Filho

(Carta ao amigo Bernardo Pindela) 

Entre tanta miséria e tantas coisas vis 
          Deste vil grão de areia, 
Ainda tenho o condão de me sentir feliz 
          Com a ventura alheia. 

À minha noite triste, à noite tormentosa, 
          Onde busco a verdade, 
Chegou com asas d'oiro a canção cor-de-rosa 
          Da tua felicidade. 

És pai, viste nascer um fragmento d'aurora 
          Da tua alma, de ti... 
Oh, momento divino em que o sorriso chora, 
          E em que o pranto sorri! 

Que ventura radiante! oh que ventura infinda! 
          Olímpicos amores 
Ter frutos em Abril com o vergel ainda 
          Carregado de flores! 

Deslumbramento!... ver num berço o teu futuro 
          Sorrindo ao teu presente!... 
Ter a mulher e a mãe: juntar o beijo puro 
          Com o beijo inocente!... 

Eu que vou, javali de flanco ensanguentado, 
          Pelos rudes caminhos 
Ajoelho quando escuto à beira dum valado 
          Os murmúrios dos ninhos! 

Em tudo que alvorece há um sorriso d'esperança, 
          Candura imaculada!... 
E quer seja na flor, quer seja na criança 
          Sente-se a madrugada. 

Quando, como um aroma, o hálito da infância 
          Passa nos lábios meus 
Vejo distintamente encurtar-se a distância 
          Entre a minh'alma e Deus. 

A mão para apontar o azul, mão cor-de-rosa 
          Que aconselha e domina, 
Será tanto mais forte e tanto mais bondosa 
          Quanto mais pequenina. 

Guerra Junqueiro, in 'Poesias Dispersas'

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