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Folheando com... Rui Zink


Rui Zink

2009-08-24

"Eu tenho um truque para fazer as personagens negativas das minhas histórias, que é insuflar-lhes os meus defeitos e temores."

(foto por João Ribeiro)

 Rui Zink nasceu em Lisboa em 1961. É autor, entre outros, dos romances Hotel Lusitano (1987), Apocalipse Nau (1996), O Suplente (2000) e Dádiva Divina (2004) com o qual ganhou o Prémio do P.E.N. Clube Português, e ainda do primeiro e-book em língua portuguesa Os Surfistas, publicado pelas Publicações Dom Quixote (2001). O conto O Bicho da Escrita foi incluído na shorlist do Prémio Pushcart. A sua obra está traduzida numa dezena de línguas, incluindo (é o próprio que o diz) em português.


Os seus livros e entrevistas estão sempre carregados de humor. É a sua imagem de marca, Rui Zink?

Espero bem que não. A imagem de marca é uma maldição para qualquer artista, porque nos torna prisioneiros desse estilo “reconhecível”, quando a vida é constante mudança. Já me tramei por as pessoas esperarem graça, quando o que eu escrevia era triste. Exemplos? “Voo nocturno” em Homens Aranhas (1994), A Arte Suprema (1997) ou Rei (2007), ambos com António Jorge Gonçalves, ou, mais tragicómico, o triste caso d’O Suplente (2000), o meu melhor livro até à data mas um falhanço do tamanho do mundo em Portugal.


Há livros que ressuscitam uns anos depois de terem sido sepultados. Quer dar-nos algumas boas razões para os leitores comprarem O Suplente?
   
Não. Lamento, mas não me compete. Acredito que o livro vai viajar, aliás este ano foi editado por uma excelente editora romena e parece que corre bastante bem, mas não tenho de o “vender” aos leitores. Nem aos editores sequer. Não é o meu problema. 


O Rui Zink escreve romances, contos, novelas, promove cursos de escrita criativa, gosta de pintar e é, tanto quanto sabemos um aficionado da internet. Acha que a internet é uma ameaça ou uma oportunidade para a promoção da literatura?  

Temos de pensar que é uma oportunidade, né? O oposto, além de acabrunhoso, é inútil, porque Ela veio pra ficar...

 

Em que momento e que motivo principal o levou a escrever A Dádiva Divina?

Não me ocorre. Tenho cada vez mais falhas de memória (o que é assustador), no outro dia o meu padrinho de casamento visitou-me e eu não me lembrava de uma viagem que tínhamos feito nos dias seguintes a Chicago! Mas sei que partiu de um conto de nem uma página, uma digamos pequena anedota que fui apurando ao longo de uns quatro, cinco anos: um detective que, sem o saber, procurava pelo mundo fora um Jesus vivo. E como quem procura encontra... Ora para mim um livro é como a vida: o mistério não está no fim, mas no meio. Eu tinha as duas pontas do livro (digamos a página 1 e a página 300), só faltava o recheio. Em 2004, no espaço de um par de meses, encontrei miolo para o conto. Quanto ao motivo... Desde Hotel Lusitano que eu não escrevia uma história de amor à séria. Tinha saudades. E havia ali a oportunidade de fazer: um livro de viagens, um policial metafísico, e conseguir um herói errado em tudo, ou seja, muito parecido comigo: ateu, misógino, seropositivo, cínico e, acima de tudo, morto.


Porque se considera um herói errado em tudo, Rui Zink?

Uma pessoa que se vê por dentro e não topa os seus defeitos tem um problema a resolver, acho. Eu tenho um truque para fazer as personagens negativas das minhas histórias, que é insuflar-lhes os meus defeitos e temores. Mesmo quando num conto ponho como narrador um racista abjecto, um negacionista insano, como aconteceu em “Não me falem de A”, vou buscá-lo dentro de mim. A este método chama-se compaixão, mas também se podia chamar preguiça. Por acaso, no referido conto tive até um par de cartas de leitores enfurecidos a chamarem-me nazi, sinal de que por um lado fui bem-sucedido na construção da ficção. É o preço a pagar, suponho, por viver num tempo em que as leituras tendem a ser mais literais que literárias. Ora a literatura devia ser – é! – o oposto da literalidade. A melhor ficção é densa, ambígua, o prazer da leitura está em nem sempre sabermos se a página que estamos a ler é doce ou salgada, para rir ou para chorar. E em levarmos o nosso tempo a chegar a uma conclusão.    

 

Falando agora de outros heróis: que personalidades mais aprecia nas artes, em geral, e na literatura, em particular?

Muitas. Para falar só dos vivos, devo muito a Ana Hatherly e a Alberto Pimenta. Adoro os meus dois irmãos, João David e José Alexandre. Poderia acrescentar uma lista quase infinita, e tenho admiração por quase todos os meus amigos, e os que escrevem e pintam não são excepção. Já aos 14 anos admirava a inteligência do Miguel Vale de Almeida e a loucura do Luís “Trostky” Baptista. Colaborei com gente incrível: o António Jorge Gonçalves, o Fernando Aguiar, Na pintura, sou fã do Rigo 09 como fui do Rigo 08, sou vizinho do Pedro Proença, que é casado com a Joana Toste, quase tio do Manuel Gantes, e já brindei com o Manuel João Vieira, num dia em que ele estava sóbrio. Algumas das coisas mais divertidas que fiz foi com o Manuel João Ramos. Sou humilde servo de todos os Felizes da Fé (felizes.planetaclix.pt), mas obviamente a estrela mágica é a Eugénia, que já não está mas ainda está entre nós. O meu pai obrigou-me, sob ameaça de me deserdar, a beber todo o Picasso. E, ainda adolescente, fui duas vezes à Noruega só para visitar o museu Munch (de resto a única coisa de interesse em todo o país). Dos escritores que conheço menos bem, admiro a elegância de um Mário de Carvalho, a nobreza de um Amos Oz, a teimosia de um Martin Amis. E espero ser em breve o bem-sucedido agente em Portugal de dois belos autores: o irlandês William Wall e o sueco Bengt Ohsson.   

 

Onde vai buscar as suas ideias antes de começar a escrever? Podemos saber em que projecto literário trabalha neste momento?

Se eu soubesse onde, ia lá agora buscar uma. Mas não, apenas posso ir ao frigorífico buscar mais uma cerveja. Sei uma coisa: as ideias nascem-me no nariz, o que explica talvez porque o tenho tão tortuoso e abatatado. Farejo o meu tempo, como um cão, e depois uivo à lua no timbre que ela e o boletim meteorológico me pedem. Este ano não publico nada e estou muito orgulhoso do feito, há anos que não me acontecia. Espero continuar assim, Deus queira. Por isso neste momento estou apenas a trabalhar na reescrita d’O Anibaleitor, o meu projecto seguro para 2010. Tudo o resto está tremelicante, como nós, Obama e o mundo.

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